Memento mori

Eu não acho que eu vá morrer, não é isso. Quer dizer, eu sei que eu vou morrer. Provavelmente. Melhor dizendo: por princípio, eu sou mortal, mas a gente nunca sabe quando os planetas vão se alinhar ou a gente vai cair num tonel de um isótopo radioativo desconhecido ou vai parar num tonel de planetas alinhados e desenvolver o gene da vida eterna. De qualquer forma, o normal é morrer. Eu só não acho que vá ser agora.

Isso não me impede de ficar preocupado, o que me parece bem natural quando se acredita no que eu acredito – no caso, em nada. Se você disser a uma criança que ela só tem mais 15 minutos no pula-pula, existem duas possibilidades: ou ela vai ficar triste a cada minuto que passar diante da proximidade do fim ou ela pulará como se a vida dela dependesse daquilo.

As primeiras crescem e se tornam filósofos, escritoras, corretores de seguros. As outras se tornam pilotos de corrida (incluindo o transporte público do Rio de Janeiro), atrizes e gigolôs. Eu mesmo não era muito de pula-pula, então isso aqui é uma grande imaginação.

Meu ponto, e eu percebo minha incapacidade crescente em chegar a um ponto qualquer nos meus raciocínios, é que eu tenho uma vocação para tornar tudo um memento mori. Gasto meu latim justamente porque não sei quanto tempo tenho mais de vida, mas é basicamente uma expressão que signifique “lembra-te que és mortal“. Ou seja, algo que reforce em ti a sensação de mortalidade. Dá um Wikipedia aí.

(Por Philippe de Champaigne - Web Gallery of Art:   Imagem  Info about artwork, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=369918)
É isso aqui que você acha quando pesquisa memento mori na Wikipedia. Parece ótimo.

Minhas lembranças de mortalidade normalmente são sazonais. Aniversários são críticos – lógico, você acaba de gastar um ano de vida fazendo o quê exatamente? – mas qualquer situação de risco de morte me coloca de novo em estado contemplativo. Como sou medroso e considero tudo um grande risco permanente, eu acabo passando muito tempo contemplativo. Aí todo este tempo contemplativo é lembrado no aniversário, reiniciando o ciclo. E la nave va.

O resultado de tanta contemplação é, grosso modo, tão triste quanto ineficaz. Sim, há o tradicional “eu queria tanto ter feito X em 2005” ou o “eu devia ter beijado a moça Y em 2011”. É claro que eu continuaria não tendo feito Y nem beijado X mesmo se eu fosse eterno, mas a sensação de perda permanente não desaparece. Cada jogo que nunca joguei, cada livro que nunca li, cada comida bizarra que não me arrisquei sussurra pra mim “lembra-te que és mortal“. Ainda bem, porque se sussurrassem “memento mori” eu nunca mais dormiria.

Hoje é um destes dias. Eu não acho que eu vá morrer, não é isso. Estatisticamente falando, minhas chances são as mais altas possíveis. O normal é não morrer. O racional em mim me esmurra internamente, berrando “larga de drama, pelo amor de tudo que é mais sagrado!” (meu racional é meio sentimental). Mas estou aqui, lembrando de X em 2005, de Y em 2011, de Z em 2014, de A’ duas semanas atrás. Sussurrando pra mim mesmo “lembra-te que és mortal“.

Eu preciso começar a dormir mais cedo.

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